sábado, 24 de setembro de 2011

O que não lerás

I
Uma energia criativa congrega-se subitamente
e enche espaço de entropia possível.
Palavras.
Listas azuis e amarelas no verde tomilho.
Sexo redondo por cima da água prata.
Sons.
Imaginar o que é preciso para o encontro destas matérias.
Imaginar o trabalho de todas as forças que concorrem
para este raro encontro no tempo.
Desafiar todas as causalidades e todas as partículas.
Descentrar-se, um evento raro.
Encontrar no lugar do outro o seu lugar.
Pleno e aberto.
Total, com a individualidade intacta.
Difícil conjugação estelar.
Poeira.

II
Este sofrimento que se instala como um paludismo recorrente.
Mosquito de água nos olhos.
Uma solidão cristal.
Casulo, borboletas ausentes.
Tropeçar no caminho para dentro e aquietar o sangue.
E o tempo.
Uma resina escorre nas alamedas da luz.
Uma neblina âmbar cavalga o Sol.
Emagrece o ar da manhã e não vejo barcos.
Orla.
Voltar a entrar pela porta entre os olhos no patamar cúbico.
Não dizer.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Aurora

16
Ficar pela noite,
quando o último fio de luz luar árabe
se soltou do céu e o teu olhar
escorregou nos olhos, ficou tenso nas mãos, gritou de cor na noite, espalmou meu corpo contra mim.
Era a hora de morder a terra,
de acontecer ficar e escrever palavras
líquidas nos contornos da madrugada.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

A Noite II

Longe, a Noite desfilou nos empedrados
envolta num manto fantástico roubado à Tarde.
Ainda trazia colados nos ombros restos dourados
de Sol em despedida e, no bolso, pedaços
reluzentes da estrela da manhã.
Entrou em rodopio nos seres e levou-os para dentro dela
para encontrar os olhos na cobra da dança, no ventre, na fonte.
Para beber as mãos pelo corpo do outro corpo,
olhos fechados colados nas ancas de África e,
nesta claridade, dizer do íntimo ontem e das marcas.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A Noite I

15
Queria viajar para Ocidente.
Não suportava a noite.
Há poucas semanas,
tinha sido apanhado desprevenido
por uma daquelas noites transparentes.
Fora uma noite sem máscaras.
Queria viajar para Ocidente, atrás do Sol,
manter o compromisso do fim de tarde eterno
onde tudo se mistura, flui, difuso e imaterial.
Não aguentaria outra noite
de desenho puro e lancinante das coisas.
Sabia do risco de dizer palavras definitivas.
Começou a correr com o Sol quase no ocaso.
Ainda conseguiu agarrar os últimos rosas
e violetas pendurados nos telhados baixos.
Atravessou as derradeiras estradas de nevoeiro
a transbordar de compromissos com o dia
que se desfazia lentamente, na miragem da estação de comboios.
Pensou que a Ocidente poderia ser possível
escapar ao desenho puro do corpo.
Correu pela plataforma em passos de pouca-terra e
ergueu-se no botão automático da porta sopro.
Havia um lugar à janela de onde contemplou o Sol oblíquo, quieto num infindável crepúsculo.
Corriam árvores e raras casas no ecrã, montanhas e nuvens.
Não se fazia noite e a calma desceu-lhe pelos ombros.
Muitas horas depois, numa estação da montanha,
subiu uma mulher de gorro azul.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Haikus

 HAIKU1
Um dia conto
A pele entrelaçada
E’o cheiro ganha

HAIKU2
Coisas belas sim
Num segredo húmido
Grito na maré

HAIKU3
Frio na alma foi
Mente e cheiros longe
Uma raiva luz

sexta-feira, 1 de abril de 2011

África

14
Chegou. Nos olhos sabor a sal e mornas dançadas no pó.
O frémito do sítio percorre-lhe o corpo.
Guarda nos seios memórias recentes de luz, demasiada luz para os seus olhos claros, de penumbras familiares. Ainda não consegue falar da cor da terra e dos homens sem um leve tremor nas coxas e, quando o faz, deixa a mão pousada no ventre de saudade intensa.
Comprou perfumes, fragrâncias indecifráveis, essências de mar e fogo que não consegue usar sem o vestido vermelho e preto que despe, quando sonha com o lugar.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Saharanila


13
Visitar teu corpo. Seguir os caminhos da tinta no desenho interior. Tocar o limbo da folha na humidade rosada. Dentro do rio, sorrir ou explorar pela primeira vez e lentamente uma gruta desconhecida, pousar os olhos nas inscrições rupestres enquanto as mão sem cordas, seguram o esperma e percorrem lentamente o planalto dos rins e as próximas elevações que escondem os seios. Deixar-se ir pelos rios subterrâneos ao encontro dos pensamentos albinos e, nos teus olhos, só ver branco imenso e extasiado quando o nosso olhar se encontra numa conversa sonora. Dos orgasmos, ficam marcas imperceptíveis que descansam no interior das células e a tarde vai célere ao encontro do quotidiano.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Casa maior

12
À deriva entre o luar e a madrugada localizo-vos pelo cheiro, sem saber do início do corpo que escorrega nas veredas da pele. Corpos-açafrão que exploram a geografia para se perderem nos mapas, barreiras codificadas que enxugam os rios na língua. Entro na porta escancarada dos dedos que exploram Vénus e me conduzem, por labirintos de saliva, à casa maior onde moram as mulheres desavindas. Deixo que me conduzas e atrás de ti confabulo a coreografia do corpo na música de cassetes antigas e dançamos.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Quase haiku


10
A luz,
o silêncio,
a pedra
janelas sobre o verde
janelas sobre a alma
o grito de prazer
as marcas no corpo e por dentro
morangos eróticos em string húmido
amar-te mais
prosseguir contigo
quero

11
O som puro das coisas
a voz redonda
memórias doridas de uma morte criança
espaços dentro do corpo
sémen e cal
palavras com dor por fora
lágrimas
a pedra lança os dedos para a luz

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Lava

9
São duas que a habitam puxando o corpo branco
e a gargantilha de prata e lava viva.
Imperceptíveis sombras esguias na alma
penduradas e de dias doridos se alimentam.
Almas lágrimas e riso de dentro.
Algum calor aflora.
Êxtase e a viagem torna-se anã e finda de si.
Tudo não partilha, apenas uma gota.
Que pouco e a sede tanta e a boca seca.
Que pouco e o tempo tão pequeno.
Voraz.
Cavalga o Sul, horizonte outro.
Lava. Menina.
Viva. Transfigura-se é nua que fica.
Recusa roupa e rasga-me o eu.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Nagiko II

o campo é verde tela, a pálida Sei Shönagon relê passagens do seu livro de cabeceira, escolhe corpos para escrever caligrafias de desejo da literatura e do amor que irão pontuar a paisagem ou,
quando acordo, o mar de sémen maresia salgada empurra-nos para praias de pele e gosto e cheiro o teu cheiro cavalgando rins que dançam e sorrimos ou,
em silêncio cortamos o tempo como um baralho de cartas e fazemos naipes de suor ao perde ganha até que amanheça em Nova Deli e as cidades do Ocidente não cheguem a acordar ou,
em plágio escandaloso desta fita que te conto, caligrafamos o desejo e os olhos encurtam a distância que nos une e quando chegamos às gares trocamos sinais em abraços pungentes e o transe de te dar a mão é texto que não está escrito ou,
encontro as sílabas de saudades quando te percorro no teu labirinto para logo as perder no planalto das coxas onde me sento para beber e é infindável este caminhar que me não cansa ou...

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Nagiko I

Outra maneira de te contar o Livro de Cabeceira
(texto transgressor em actos e duas personagens); podia ter dito que outra maneira de te contar o livro de cabeceira era escrevermos com o meu um texto no teu corpo transgressor(dido) e no meu transgredido(ssor) e trocarmos todas as transgressões que ainda não sabemos que são e não são ou,
imagina que começo pelo pé e aí pinto pequenas sílabas de saudades que vão escorrer até ao calcanhar e perder-se nos linhos; com um gesto breve, mão não totalmente aberta e preguiçosa, recuperas duas ou três que escondes não sei onde, que as procure, não estão longe e meto-me ao caminho. Vislumbro um rio, um delta mas uma boca acena-me e entro nela. Fico por lá longo tempo com a mente no mar de saudade que perdi subitamente. Lateja-me o sangue nos teus seios e a penugem do ventre é areia onde me deito ao som da língua no meu sexo e adormeço nesta música ou,