O Parlamento fechou. O Governo governa via Skype a partir da
ilha de S. Miguel. O Presidente Nóvoa, estupefacto, vive na Biblioteca da
Universidade de Coimbra. Os portugueses habitam tranquilamente nas várias
cidades europeias e, muitos deles, estão casados com lindíssimos homens e mulheres
sírios e afegãos. O país está despovoado de autóctones com excepção dos
empresários dos vários hostéis e hostais e outros que tais, dos empresários de
triciclos, motociclos, tuktuks (que voltaram a poder circular em Alfama), dos
vendedores de pastéis de bacalhau com molho bernaise e dos neonatas que
abriram, finalmente, lojas fora de Belém. Em Portugal inventou-se uma
novilíngua para falar com os milhões de turistas que visitam o país. Os jornais
passaram a ser comestíveis. Por exemplo o correio da manhã passou a ter sabor a cozido à portuguesa, o público a tarte de beringela, e DN a bife com molho
à café e o expresso agora, é uma italiana em chávena fria. Quando se vê um tuga
nas ruas das nossas cidades há um certo racismo latente e temem-se, sobretudo
por parte da comunidade alemã em trânsito, reacções de xenofobia incontrolável.
Os poucos tugas que restam, vivem agora em residências temporárias, cedidas
pelos hotéis de luxo, até conseguirem um visto shengen para a França ou para a
Holanda. Em todo o país há eventos permanentes: a tea shirt letónia molhada, o
festival da dobrada à moda de Estrasburgo e muitos outros. O país agora
chama-se Toogal e as viagens low cost já não existem. Para visitar Toogal agora
não se paga nada. É considerado património da humanidade e todos os custos são
suportados pelo Vaticano e pelas agências de rating.
quinta-feira, 29 de outubro de 2015
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
Pequena homenagem a Ananda K. Coomaraswamy
O
tempo, sempre mutante, corre no espaço em busca de um local de descanso.
Corrida
louca e desgastante. No percurso, gasta-se, vai perdendo pedaços,
desfazendo-se em promessas.
No
espaço onde corre o tempo reina a quietude.
Este
espaço, onde corre o tempo, estende-lhe a mão amigável mas, o tempo, encolhe-se e
rejeita a oferta.
Num derradeiro esforço, o tempo tenta preencher o espaço
circundante mas, no acto, esboroa-se, arde e finda.
No
horizonte, em suspensão, o espaço permanece estéril, branco e impreenchível.
terça-feira, 13 de outubro de 2015
Travão
Agora o que eu precisava era de um cataclismo universal. De
uma ausência de movimento. Que parassem as leis da termodinâmica, da gravidade
e as outras universais e que o tempo ficasse como está. Que tudo deixasse de ir
na direcção da morte. Apenas por algum tempo, para termos tempo de amar ainda
como somos, com toda a energia e vontade de dar ao outro o que temos para dar,
tudo o que temos para dar, no íntimo, na partilha, no sexo, no amor que ainda
podemos oferecer se esse inexorável movimento parasse, se quedasse em suspenso
da carícia, do afecto, do gesto interminável de gostar.
Seria, claro, uma suspensão provisória, para que as anãs
brancas não se aquietassem para sempre e as gigantes vermelhas não fossem
impedidas de se consumirem no seu fogo interno, tão quente. Haverá maior buraco
negro que aquele que nos transforma em menos que pó? Gostava tanto de acreditar
na reencarnação!
terça-feira, 29 de setembro de 2015
Corpo-ave
Desejo teu corpo-ave
A mão tão fina, o rir
tão claro na água do rosto.
Correr pelos montes azuis
Da água no verde
o traço fugidio do cão,
a calma do dia que finda.
Dormir dentro da cascata
A noite dança o fogo do céu
Urros emprestados
Um calor.
Falta-me dizer
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
Silêncio
Le Silence n’est pas un Oubli.
Não coloco o silêncio contra as palavras. Há
monossílabos tão ruidosos como o barulho do camião do lixo na noite. As falas
mais silenciosas são quando as letras gritam luz; são as falas de alguns textos
sagrados, as falas de alguma poesia, o risco do grito do mocho na noite quieta.
Oposto ao silêncio está o movimento da mente, a ditadura da mente. A meditação
é o Silêncio quando o fluxo ruidoso do pensamento cessa e fica a espessura
surda do vazio. Não é um silêncio calado mas um silêncio parado. Numa paisagem
nocturna no meio do campo, ouvimos o silêncio mas é um silêncio que nos é
exterior, elaboramos e pensamos
sobre ele e dizemos: gosto tanto deste silêncio. Ao dizermos isto não estamos
em silêncio, somos espectadores gritantes do silêncio. Em meditação, somos o
silêncio. Focando a mente num “objecto” de meditação, deixamos rarefazer
progressivamente os pensamentos criando espaço. Às tantas, esta dualidade
daquele que pensa e não quer pensar e do espaço que o não pensamento faz
crescer, esta dualidade deixa de existir e aí, sim, silêncio, não esquecimento.
Morte-vida, cessação do eu-ego, anulação do corpo,
descansar no vazio se estas palavras ainda fazem sentido nesses territórios.
Le silence est une clairvoyance.
sexta-feira, 20 de abril de 2012
Deserto
Cortar todas as pontes
Dizer palavras irreversíveis
Instalar o conflito no corpo
cristal
Empurrar o ego e o outro
Ocupar o espaço, todo o
espaço das frases possíveis
Calcular a agressão sempre
devastadora e chorar o fel
Não querer ser feliz
Não dominar o equilíbrio e
desenhar tempestades na instabilidade
Matar a racionalidade e tudo
à volta
Alimentar o deserto
Deserto.
sábado, 24 de setembro de 2011
O que não lerás
I
Uma energia criativa congrega-se subitamente
e enche espaço de entropia possível.
Palavras.
Listas azuis e amarelas no verde tomilho.
Sexo redondo por cima da água prata.
Sons.
Imaginar o que é preciso para o encontro destas matérias.
Imaginar o trabalho de todas as forças que concorrem
para este raro encontro no tempo.
Desafiar todas as causalidades e todas as partículas.
Descentrar-se, um evento raro.
Encontrar no lugar do outro o seu lugar.
Pleno e aberto.
Total, com a individualidade intacta.
Difícil conjugação estelar.
Poeira.
II
Este sofrimento que se instala como um paludismo recorrente.
Mosquito de água nos olhos.
Uma solidão cristal.
Casulo, borboletas ausentes.
Tropeçar no caminho para dentro e aquietar o sangue.
E o tempo.
Uma resina escorre nas alamedas da luz.
Uma neblina âmbar cavalga o Sol.
Emagrece o ar da manhã e não vejo barcos.
Orla.
Voltar a entrar pela porta entre os olhos no patamar cúbico.
Não dizer.
Uma energia criativa congrega-se subitamente
e enche espaço de entropia possível.
Palavras.
Listas azuis e amarelas no verde tomilho.
Sexo redondo por cima da água prata.
Sons.
Imaginar o que é preciso para o encontro destas matérias.
Imaginar o trabalho de todas as forças que concorrem
para este raro encontro no tempo.
Desafiar todas as causalidades e todas as partículas.
Descentrar-se, um evento raro.
Encontrar no lugar do outro o seu lugar.
Pleno e aberto.
Total, com a individualidade intacta.
Difícil conjugação estelar.
Poeira.
II
Este sofrimento que se instala como um paludismo recorrente.
Mosquito de água nos olhos.
Uma solidão cristal.
Casulo, borboletas ausentes.
Tropeçar no caminho para dentro e aquietar o sangue.
E o tempo.
Uma resina escorre nas alamedas da luz.
Uma neblina âmbar cavalga o Sol.
Emagrece o ar da manhã e não vejo barcos.
Orla.
Voltar a entrar pela porta entre os olhos no patamar cúbico.
Não dizer.
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