quinta-feira, 14 de abril de 2011

A Noite II

Longe, a Noite desfilou nos empedrados
envolta num manto fantástico roubado à Tarde.
Ainda trazia colados nos ombros restos dourados
de Sol em despedida e, no bolso, pedaços
reluzentes da estrela da manhã.
Entrou em rodopio nos seres e levou-os para dentro dela
para encontrar os olhos na cobra da dança, no ventre, na fonte.
Para beber as mãos pelo corpo do outro corpo,
olhos fechados colados nas ancas de África e,
nesta claridade, dizer do íntimo ontem e das marcas.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A Noite I

15
Queria viajar para Ocidente.
Não suportava a noite.
Há poucas semanas,
tinha sido apanhado desprevenido
por uma daquelas noites transparentes.
Fora uma noite sem máscaras.
Queria viajar para Ocidente, atrás do Sol,
manter o compromisso do fim de tarde eterno
onde tudo se mistura, flui, difuso e imaterial.
Não aguentaria outra noite
de desenho puro e lancinante das coisas.
Sabia do risco de dizer palavras definitivas.
Começou a correr com o Sol quase no ocaso.
Ainda conseguiu agarrar os últimos rosas
e violetas pendurados nos telhados baixos.
Atravessou as derradeiras estradas de nevoeiro
a transbordar de compromissos com o dia
que se desfazia lentamente, na miragem da estação de comboios.
Pensou que a Ocidente poderia ser possível
escapar ao desenho puro do corpo.
Correu pela plataforma em passos de pouca-terra e
ergueu-se no botão automático da porta sopro.
Havia um lugar à janela de onde contemplou o Sol oblíquo, quieto num infindável crepúsculo.
Corriam árvores e raras casas no ecrã, montanhas e nuvens.
Não se fazia noite e a calma desceu-lhe pelos ombros.
Muitas horas depois, numa estação da montanha,
subiu uma mulher de gorro azul.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Haikus

 HAIKU1
Um dia conto
A pele entrelaçada
E’o cheiro ganha

HAIKU2
Coisas belas sim
Num segredo húmido
Grito na maré

HAIKU3
Frio na alma foi
Mente e cheiros longe
Uma raiva luz

sexta-feira, 1 de abril de 2011

África

14
Chegou. Nos olhos sabor a sal e mornas dançadas no pó.
O frémito do sítio percorre-lhe o corpo.
Guarda nos seios memórias recentes de luz, demasiada luz para os seus olhos claros, de penumbras familiares. Ainda não consegue falar da cor da terra e dos homens sem um leve tremor nas coxas e, quando o faz, deixa a mão pousada no ventre de saudade intensa.
Comprou perfumes, fragrâncias indecifráveis, essências de mar e fogo que não consegue usar sem o vestido vermelho e preto que despe, quando sonha com o lugar.