sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Sul

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As tardes são o melhor destes dias,
deitados no granito,
a ver correr as cores e as nuvens à procura do Sul,
e o meu, no teu corpo, da mesma rota.
Efémeros caminhos da terra em tempo de histórias contadas à noite: constelações de lendas azuis e até amanhãs aos gatos que vêm dormir enroscados, no fim do cobertor de papa.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Neblina

7
No princípio do dia, marcas de caramelo
fino no tudo quieto do ar parado:
papel branco para desenhar.
São os pássaros que rasgam os primeiros traços
no sombreado das árvores, como
no primeiro dia quando a esteva se veste de baba.
Nestas horas tudo é distante e longe,
gritos repercutidos nos laranjais de névoa,
por cima de medonhos vales de águas férreas
e tantas pontes.
Quem as atravessa?

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Sal

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Nas hortas do mar, os pés dos agricultores
são talhados em pedra antiga, gretada pelo tempo.
Pedra prenhe de recordações nas calças
enroladas no regaço dos dias.
São tecidos, ao longe, nos rectângulos rigorosos
desenhados na água.
Limites do sal e do verde,
caminhos estreitos por onde se corre
carregado de branco.
O mar aqui, entra de mansinho e
afaga as geometrias.
Saudação milenar de gestos repetidos
na água e no homem,
Egiptos na Ria, em pirâmides de branco.
Pela tarde, doura-se a cal pousada nos alfobres e
a luz, enche a flanela de um gesto vigoroso
fixado nos postais.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Peixe voador

5
Nestas cidades de portos difíceis
e águas emaranhadas, os rebocadores guiam
os cargueiros calados num grande silêncio,
até ao mar livre, onde acenam regressos sonoros
que assustam os peixes voadores,
decididos a nadar, pelo ar, até ao horizonte.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Macios encontros

4
Macios encontros feitos chocolate numa tarde cabalística. Exercícios em trânsito para outras pontes de rosto de cinema francês. Riscos de rugas no suporte da negra lã, sulcos organizados nas esquinas pardas das Avenidas Novas. De repente, o olhar encontra-se com o círculo da limonada, terreiro de combates demorados com a tarde, com os velhos, com os outros...adiados.
Algumas ondas de vontades desfeitas no gesto pesado de erguer o copo, de escutar os olhos que não param, de sorrir por hábito, de sorrir apenas.
Mesmo quando os espelhos reproduzem murmúrios de porcelana e metais bastardos, nobrezas de velhas árvores, latões areados pacientemente nas manhãs.
Tertúlia quadrada, cinza e popelina à distância da mão...tão longe.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Face

3
Fixo teu rosto na paisagem do pixel.
Imagem coalhada na luz, intenso fermento, vida.
Na cidade dos muros teces na pedra portas que se abrem e escondes-te na sombra.
Não te encontro camuflada de presente, ausente.
Tacteio a orla do prazer e é áspero o dia-a-dia de viver assim.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Olhar o mar


2
Maré cheia nas ondas despenteadas, em festa. Os borrifos, chegam em chicotadas de veludo fresco como se fossem encomendas do estrangeiro. Semicerramos os olhos porque as pálpebras também merecem este perfume do fundo, este cheiro a tempo, este pedaço de história. O corpo sai fora das fazendas, a pele abre-se em pequenos mares interiores onde estão todas as baleias, todos os corais, todos os navios afundados. Há piratas a subirem pelos ombros e Júlio Verne está aqui mesmo ao lado. Olhar o mar: operação fecunda e fantástica de improvisar a vida na orla dos continentes de dentro.
Olhar o mar: ver-se no espelho original, nu e migrante sobre as areias à reconquista das guelras.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Barco-cidade

1

Escrevo deste barco-cidade à saída do rio, palavras de maresia que moram nas zonas ribeirinhas
e ouvem o ronco dos faróis nos nevoeiros. O ar escorre pelo nariz em cristais líquidos e as mãos, ficam-se pelos bolsos, à espera dos navios.

Outras narrativas

Abro este espaço para partilhar textos que vou escrevendo, articulando sílabas. Sejam bem-vindos.